No momento da morte da pequena camelita de Lisieux, uma de suas coirmãs questiona o que se poderia escrever desta monja de apenas 24 anos e 9 de Carmelo, que nada teve de brilhante em sua vida. No entanto, Santa Teresinha do Menino Jesus conquistou o mundo inteiro. Até mesmo em algumas mesquitas encontra-se uma imagem dela!
Na época em que viveu grassava o jansenismo, corrente espiritual que enfatiza a predestinação; nega o livre-arbítrio e sustenta ser a natureza humana por si só incapaz do bem; possuía austeridade extrema e rigor na aplicação de preceitos religiosos e morais.
Teresinha, com todas as suas limitações que a impediam de viver tal austeridade comum naquele tempo, porfeticamente descobre um novo caminho para a santidade: reconhecer-se e permanecer “pequena”. Eis suas palavras: “Jesus sente prazer em mostrar-me o único caminho que leva para essa fornalha divina (Teresa refere-se ao Amor do Coração Divino), e esse caminho é a entrega da criancinha que adormece sem receio no colo do pai… “Quem for criança, venha cá”, disse o Espírito pela boca de Salomão, e esse mesmo Espírito de Amor disse também que “a misericórdia é dada aos pequenos”. Em nome Dele, o profeta Isaías revela que, no último dia, “o Senhor leva à pastagem o seu rebanho, com o seu braço conserva-o reunido; traz no seu regaço os cordeirinhos, e tange cuidadosamente as ovelhas que aleitam”. E, como se todas essas promessas não fossem suficientes, o mesmo profeta, cujo olhar inspirado mergulhava nas profundezas eternas, exclama em nome do Senhor: “Como alguém que é consolado pela própria mãe, assim eu vos consolarei, sereis levados ao colo, e acariciados sobre os joelhos”. [...] Depois de tal linguagem, só resta calar, chorar de gratidão e de amor… Ah! se todas as almas fracas e imperfeitas sentissem o que sente a menor de todas as almas, a alma de Teresinha, nenhuma perderia a esperança de atingir o cimo da montanha do amor, pois Jesus não pede ações grandiosas, apenas o abandono e a gratidão” (Ms B 1f).
Esta pequenez não significa comodismo, infantilismo, mediocridade ou passividade. Teresa se empenha de maneira heroica na vivência da caridade fraterna, e tem grandes desejos, ousados desejos, a ponto descobrir “seu lugar” na Igreja: “Compreendi que se a Igreja tem um corpo, composto de diversos membros, o mais necessário, o mais nobre de todos não lhe falta. Compreendi que a Igreja tem um coração e que esse coração arde de amor. Compreendi que só o Amor leva os membros da Igreja a agir, que se o Amor viesse a extinguir-se os apóstolos não anunciariam mais o Evangelho, os mártires negar-se-iam a derramar o sangue… Compreendi que o Amor abrangia todas as vocações, que o Amor era tudo, que abrangia todos os tempos e todos os lugares… numa palavra, que ele é Eterno!… Então, na minha alegria delirante, exclamei: Ó Jesus, meu Amor… enfim, encontrei minha vocação, é o Amor!… Sim, achei meu lugar na Igreja e esse lugar, meu Deus, fostes vós quem o destes a mim… no Coração da Igreja, minha Mãe, serei o Amor… serei tudo, portanto… desta forma, meu sonho será realizado!!!” (Ms C 3v).
Uma alma tão grande assim incendiou o coração de uma multidão de pessoas - principalmente de consagrados -, ao longo deste último século e até nossos dias. A tal ponto que Teresa foi proclamada Padroeira das Missões e Doutora da Igreja.
Temos a graça de viver agora um tempo especial: há poucos dias celebramos o 150º aniversário do nascimento de Teresa do Menino Jesus (2 de janeiro de 1873), assim como o primeiro centenário de sua beatificação (29 de abril de 1923) e, em 2025, o primeiro centenário de sua canonização (17 de maio de 1925).
Diante de tais eventos, a Ordem dos Carmelitas Descalços lançou um projeto de “Comemorações Teresianas” de 2023 a 2025, que não consta apenas de celebrações, simpósios e congressos sobre Teresinha, mas principalmente vê neste período um tempo de graça para podermos aprofundar no conhecimento e na vivência da espiritualidade de Santa Teresinha. Instrumento para isso, evidentemente, é a leitura de suas obras. A OCD propõe o seguinte esquema:
- Ano 2023: Manuscrito A
- Ano 2024: Manuscrito B e C
- Ano 2025: Orações e outros textos.
Especificamente, a leitura do manuscrito A tem a ênfase nos seguintes trechos:
1- Cantar as misericórdias do Senhor (Ms A, 2f-4f)
2- O sorriso da Virgem (Ms A, 29v-31v)
3- A graça de Natal (Ms A, 44f-45v)
4- A oração de Pranzini (Ms A, 45v-46v)
5- Enfermidade do pai e tomada de hábito de Teresa (Ms A, 71f-73v)
6- Sobre as ondas da confiança e do amor (Ms A, 80f-81v)
7- Morte do pai e entrada de Celina no Carmelo (Ms A, 81v-83v)
8- A Oferenda ao Amor misericordioso (Ms A, 83v-84v)
Tal escolha deriva da importência destas atitudes/acontecimentos teresianos. O documento elaborado pela Ordem destaca:
“A história da florzinha colhida por Jesus” (Ms A, 3v) percorre todo o Manuscrito A. O amor de Teresa pelas flores tem um reflexo em sua história pessoal: a “florzinha branca”, é o lírio em miniatura que seu pai recolheu num muro e lhe entregou quando ela falou sobre sua vocação (Ms A, 50v).
O tema da misericórdia ressoará ao longo de todo o manuscrito, até as últimas páginas dedicadas ao Ato de oferenda ao Amor misericordioso. O termo misericórdia aparece vinte e nove vezes nos Manuscritos autobiográficos.
Quando Teresa fala da imagem de Maria (Ms A, 2f), refere-se à “Virgem do Sorriso”, que se encontra atualmente acima do sepulcro da Santa. O casal Martin-Guérin tinham uma devoção particular por esta imagem, que desempenha um papel essencial na vida de Teresa, curando-a da grave enfermidade nervosa infantil (Ms A, 29v-31f) e acompanhando-a em sua agonia na enfermaria (a partir de 8 de julho de 1897). Em janeiro de 1895, encontrava-se na entrada da cela de Teresa.
“É próprio do amor abaixar-se”(Ms A,2v): Teresa reúne aqui muitos de seus grandes temas, e este se converte num dos “gestos”, das imagens essenciais do amor, da graça divina, que aparece vinte e quatro vezes em seus escritos. (Comemorações Teresianas, Ficha 1)
“Viver de amor” resume a vida de Teresa. Amor que imita o Amor de Deus, que se faz Pequeno por nós, em Belém, para nos ensinar a amar.
Que Teresinha nos guie nesta aventura!
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